A criatura inanimada depositada na carteira do colégio construiu a metódica calada durante cada dia dos anos em que vivi. “E agora, José?”
De Gil Vicente a Carlos Drummond de Andrade, seguido de todos os números dos inúmeros volumes Etapa, Anglo ou Objetivo, acumula-se o pó da prateleira onde ainda se permite singela a presença de um pequeno aparelho de televisão. A cama não se ocupa sequer pela metade com o corpo pequeno que ali se deposita ao final de cada dia. Um violão dorme atrás do guarda-roupa perdido em alguma parte de mim que se sentiu artista dia desses. As paredes são cor-de-rosa como a minha alma há muito deixou de ser. A janela permite uma visão abrangente e superior que não passa da ponta do meu nariz com essa miopia.
E quantos sonhos que sonhei nesse travesseiro eu teria escrito naqueles papeis sobre a cabeceira se... Se a cabeça já não os criticasse e censurasse antes mesmo de tê-los formulado como idéias, sentimentos ou ações? Quantas artistas e cientistas eu seria se não me tivessem feito civil? Quantas partes de mim tentariam fugir da dialética se o mundo não esperasse de mim o cartesianismo?
E justo a mim que sempre pareceu frustrante não saber responder à pergunta “quem é você?” hoje surge uma conclusão de estarrecimento maior. Não ter uma definição pronta, ou melhor, não poder responder com o nome de uma profissão ou o anúncio de alguma ideologia é o melhor que eu poderia ter. Não me resumir em uma palavra... Ainda que isso signifique simplesmente eu não saber quem sou.
Nos últimos meses, cada segmento do meu corpo se esforçou por um objetivo que eu estipulei e, acima disso, a minha cabeça tentou não se lembrar de qual era esse objetivo. A frustração, desde já, perturba-me acima do temor de tentar pelo esforço, acima do risco de ir contra o esperado, planejado e calculado. Acordei com a ambição de fazer algo que definitivamente eu não sei fazer. Não porque não sei, mas porque quero saber. Clara manhã, obrigada.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
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