quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

"Estou em um estado muito novo e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente e pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo."


Se Clarice Lispector teve um dia dentro de si algo que se acreditasse incapaz de traduzir na sua arte, perdôo-me por ontem, com as mãos trêmulas e o pensamento fracassado em tentar idealizar tudo que em mim se configura como o sofrimento que eu não tenho e a complacência que não enxergo, ter simplesmente desistido da arte que se faria ali faltando-lhe ser artística.

De Heráclito a Clarice, dela para mim. Um instante vive fazendo do anterior passado sendo, simultaneamente, devorado pelo próximo. A verdade é que a efemeridade de tudo aquilo que em algum momento é, instala-se no que faz parte do que "somos" (?). Torna-se ali, no instante efêmero, eternidade.

Um instante voluptuoso, angustiante e terno a ponto de não poder artisticá-lo, infinito.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

VFCN.

Traz no rosto um charmoso sorriso sustentado ora na diplomacia de costume, ora na complacência esporádica. Galanteador com um quê de calhorda, ingênuo de quando e vez, mas mestre em tudo o que se determina a analisar (ainda que pelo canto dos olhos). Quantos de meus tantos devaneios aventurei na complexidade do que está sob este semblante? Que quer dizer este ou aquele espasmo facial? De quê são os toques destes dedos?
Há quem seja incapaz de pensar em todo espaço de uma vida o que se transmite em um dos seus olhares. Coexistem: o conhecimento efusivo de tudo que foi visto em frações de segundos (de uma vida de poucos dias a mais que a minha até então); a sensibilidade titânica de nascença; e a covardia de uma carapaça hereditária. Não há perspectiva que se encaixe. Tem de tudo, não um pouco, mas em plenitude.
Além de tudo o que é e que se pode observar, notar, constatar e até escrever, há ainda algo absurdamente grandioso que cabe entre os lábios selados nos beijos, entre os corpos unidos no amor e no silêncio dos mistérios expressivos. Seria diante de olhos anônimos: Minha cabeça sobre seu colo mirada e mirando suas expressões. A mim? Não sei que seria, mas é. E é maravilhosamente.
Esta euforia me faz ora afável, ora paranóica e o tempo todo me felicita e enlouquece. Que ele viva! Que eu viva! Mas, em nome da referida euforia, que vivamos de mãos dadas. É nisso que me faço hoje forte e no que me permito tão frágil.
E quanto à Eternidade, sempre mencionada em situações “análogas” (análogas?)... Ela é cada instantânea sensação (como o aroma dos abraços ou o calor da respiração próxima) que nunca se vai. Em cada singelo instante de nossas vidas se constrói toda a nova história posterior.

sábado, 13 de novembro de 2010

Um antigo poema.

Um poema escrito em aula, rapidamente, por um suspiro de inspiração angustiada. De 19 de agosto de 2010.


Suas mãos me levam a todos os lugares ou minha cabeça leva suas mãos.
Convida, acolhe, persuade, conduz.
Eu vou sim, eu sempre vou.
Fica tudo sob a imensidão dos nossos minutos camuflados e exatravagantes.
Eu converto seus toques, seus olhares e suas frases,
Eu me alimento dessas pequenas felicidades cáusticas.
Mas, um dia a realidade volta e você não.

Sobre a infância.

Quero a espontaneidade ingênua, singela e maravilhosa de uma criança com chinelos e roupas desconectadas da moda padrão, cuja cabeça pensa pouco perto do que fazem os pequenos braços e pernas.

Quero chorar de rir, cansar de correr, ter medo de trovão e ter prazer em comer pudim de leite.

Um corpo sem preguiça, uma cabeça sem consciência da formação de ideologias, uma mente sem limites, um pulso sem relógio.

Acima de tudo, quero rir do que os adultos não acham graça, quero ser feliz pelos motivos que eles desconhecem, quero fazer o que não posso sem saber que é probido.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Artista.

Faço-me hoje artista por desejar tão fortemente o desejo de todo aquele que se identifica como tal. Não só esse de fazer nascer a prosa poética do que não se vê em versos e se liberta dos parágrafos, mas também o de tornar o escrever amor fazer amor,trazendo, em palavras, as lágrimas dos sofrimentos, o suor dos esforços, a angústia dos medos e a plena alegria de tudo que a proporciona. O sentimento do mundo traduzido pela estupefação dos artistas cunharia nesta terra, em qualquer arquivo eternizado, a plenitude da vida em suas elevadas instâncias. A vida pelo pouco que se vê, pelo mínimo que se pensa, mas pelo máximo explosivo do que é singelo.

Entre o lado esquerdo do meu rosto e o calor do peito dele, camuflado entre completo protetor e afável protegida, coube, hoje, um infinito. Congratulações aos artistas. São eles os que fazem desse infinito arte, permitindo que mais pessoas sintam-se como eu hoje.

domingo, 7 de novembro de 2010

Pseudo-soneto-mirim.

A poesia de eufemismo reverso
Meramente por se fazer literatura
Porque tanto vai além da ternura
Que transporta em si o Universo.

Seja qual for o tamanho do verso
Seja qual for a inspiração do autor
Já que sempre se escreve de amor
Ao vocabulário falta ser diverso.

Que o leitor possa sentir ao ler
Tudo de mais indescritível
Que dominou o autor ao escrever.

E que a inspiração se manifeste
Antes que qualquer receio ou juízo
A ingenuidade espontânea conteste.

He comes... And he goes…

As inúmeras partes de um coração
Fanático pela efêmera euforia dos inícios,
Indiferente ao que já passa rotineiro,
Forte de tão fraco que torna o restante,
Fraco de se apoiar na fragilidade alheia.

As inúmeras partes de uma cabeça
Desejosa do que os olhos conseguem ver,
Dispensando o que as mãos possuem,
Inerte e obstinada porque assim é,
Empolgada e melancólica por quê?

As inúmeras partes de um corpo
Onde, de quando em vez, pousa minha cabeça,
Em que tocam as partes do meu no amor,
E que se esquiva, sai de mim
Para ir lá tão longe, onde vai a alma.

As inúmeras partes de uma face
Aleatoriamente dos sorrisos e da apatia,
Dos olhos que embaraçam os demais olhares,
Do semblante que mente tanto quanto diz a verdade,
O mais singelo e tantas vezes revelado enigma.

As inúmeras partes de uma personalidade
Discreta e notável por onde é mencionada,
Capaz de absolutamente tudo, e tudo mesmo,
E incapaz de tanto.
Imprevisível.

Eu, que tanto dedico a este todo,
Quantas dessas partes amam a mim?

Animalia.

A superioridade estruturada em polegares opositores atrás dos olhos que enxergam pouquíssimo além de um “papel civil”. Seres humanos por assim se afirmarem sob a massa encefálica, em desenvolverem os métodos e técnicas viabilizados pela literatura registrada. Civilizados, organizados, sistematizados, estruturados em... Sociedade?

A tecnologia nos permitiu o inalcançável na qualidade e na oportunidade de vida tal como viabilizou genocídios instantâneos. As relações de troca, antes um compartilhamento de recursos originário de acordos mutualistas, se desenvolveu no modelo econômico explorador e essencialmente competitivo que rege hoje “sociedades” ricas em miséria.

E torna-se pertinente discutir qual é a definição de humanidade e o que nos difere dos demais animais. Os domínios que desenvolvemos sobre determinadas técnicas são os principais recursos que nossas características biológicas de seres humanos nos permitiram. Por outro lado, tais recursos foram, em grande parte, utilizados para garantir a elevação dos pedestais elitizados às custas da marginalização da maioria esmagadora da população.

As relações de sociedade foram tomadas por comensalismo, competição e parasitismo. Não há a divisão de tarefas na luta por um bem comum que é compartilhado e devidamente entregue como fruto de esforço, tão pouco se estabelecem objetivos semelhantes entre os setores em que nos dividimos. A competição acirrada na ambição de se garantir cada vez mais e mais posses e poder nos classifica como parasitas e comensais.

Reduzidos à mera condição de animais justamente pelos recursos de que gozamos para nos distanciarmos de tal condição. Antes estivesse eu falando unicamente das pessoas que defecam, comem e dormem nas ruas. Há, antes disso, a disfunção da massa encefálica, dos polegares opositores, ou de ambos nos homens que batalham pela 23ª casa sem terem ido muito além do portão blindado do único imóvel que ocupam.

A diversidade dentro da humanidade é extremamente necessária ao convívio no sentido de estimular progresso por meio da ambição competitiva e estabelecer relações entre indivíduos que podem oferecer aprendizado e experiências aos participantes. No entanto, o modelo atual tem deixado partes do que seria a sociedade sob os pés da elite priorizada, mantendo disparidades e congelando o progresso geral.

A História se conduziu, até hoje, na alternância de modelos extremistas em todos os ramos da “sociedade”. Há de chegar o momento em que um número suficiente de pessoas note a semelhança indiscutível entre todos os seres humanos e saiba usufruir das diversidades convertendo-as para ferramentas de progresso em comunhão. Há de chegar o momento em que a indigência se intitule “Apocalíptico”, “Paranormal” ou “Desumanidade” ao invés de “Cotidiano” nos cadernos de nossos jornais mais bem-conceituados.
Por Adriana Kimura.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

As partes de um... Todo?

O pessimismo por Clarice Lispector, o amor desmedido de Vinícius de Moraes, o sentimento do mundo em Carlos Drummond de Andrade, a ciência de colégios apostilados pela Abril, a invasão intra-domiciliar da Rede Globo, o evangelho segundo Jesus Cristo, a força nos cabelos de Sansão, a posição de Olga dentro do sexo frágil, o pseudo-conhecimento sob o semblante polido de umas poucas palavras rebuscadas no texto coeso e incoerente.
Frágil na confiança, no amor e na devoção, mas mais forte que os coitados que se apóiam em desrespeitar tais valores.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A manipulação de informações no jornalismo e a estratificação social.

Há aproximadamente 10 mil anos, o mundo da coerência biológica deixava que governasse a natureza selvagem e singela do nomadismo na ausência de um sistema social definido. O comando era do tempo palingenésico, a ameaça das pestes e pragas, a ocupação essencialmente por se manter a vida dia após dia. Posteriormente, o domínio sobre técnicas de produção de alimentos, a introdução das relações de troca, o conhecimento da escrita e o desenvolvimento da ciência foram transformando a humanidade, paulatinamente, no que constitui hoje uma rígida estrutura social na qual cada indivíduo é apenas participante do sistema.

As técnicas agropecuárias foram o primeiro sinal de domínio da natureza pelo homem que aprendia a utilizá-la em prol de si. Tais técnicas foram transmitidas de geração para geração e explicadas, mais tarde, pela ciência. A escrita tornou-se veículo de toda uma bagagem de conhecimentos e descobertas de grandes gênios que perpetuaram suas obras nos registros e documentos históricos. O comércio surgiu pelas trocas que se faziam de acordo com os interesses e posses de cada um. Essa situação foi, cada dia mais, cobrando a formação de uma estrutura social baseada na divisão do trabalho. Cada camada social passou a desempenhar determinado papel para servir à humanidade como todo.

O sistema garante a manutenção dessa grande máquina chamada sociedade. Ele fiscaliza o funcionamento de cada pequena engrenagem, certificando-se de que as pessoas, ao menos em sua grande maioria, sejam mantidas exercendo suas respectivas funções para a geração de riquezas que permitem o poder do Poder, o conforto da elite e a alienação e conformismo dos que servem a essa elite e obedecem a esse Poder. O topo que lucra sobre toda essa estrutura conta com muitos recursos para manter a atividade e combater as revoltas dos subalternos. Geralmente, a manipulação de informações é o mais comum deles.

O acesso à informação e a formação de opiniões são os recursos para a consolidação dos direitos de cidadania e para a formação de identidades pessoais e culturais. A quantidade e a qualidade de informação e a força de opinião classificam os cidadãos entre detentores do Poder e participantes submissos do Sistema. As falhas no sistema midiático, resultantes da lógica de mercado e das ideologias dos condutores da informação, são responsáveis pela formação de indivíduos conformados com a desigualdade que se apresenta no país.

A televisão, que atualmente faz parte das posses da maioria esmagadora dos brasileiros, é o principal veículo de “informação”. Programas sensacionalistas, reality shows, noticiários partidários, novelas adestradoras, propagandas para vender produtos e idéias, religiosidade do conformismo. Até mesmo os jornais e revistas mais bem conceituados apresentam visões tendenciosas originárias dos produtores das notícias. Atualmente, faz-se necessário ensinar os leitores a de fato ler para que haja o acesso à verdadeira informação que proporciona uma formação crítica e independente de caminhos já traçados para trilhar.

A partir do momento em que as pessoas começarem a notar os benefícios que a utilização inteligente de informações proporciona, o conhecimento tornar-se-á viciante e os instrumentos de massificação perderão gradativamente seu valor enquanto ditadores das verdades universais. O estímulo planejado à leitura instruída e crítica aos jovens é o primeiro passo para grandes e inúmeras mudanças no sistema social que nos rege.

Os jornalistas têm como objetivo, não só a informação, mas também acabam por expressar suas visões de mundo e necessitam de chamar a atenção do público. Cabe aos leitores bem instruídos diferenciar a verdadeira informação dos recursos argumentativos e comentários tendenciosos de uma notícia. É a partir de diferentes visões e esclarecimentos lidos, vistos, ouvidos e pesquisados que o leitor formará suas próprias posições a cerca de determinado assunto.

Fala-se na posição do jornalista enquanto transportador de informações objetivo e neutro quanto ao que é noticiado. De fato, os jornalistas devem ter consciência da verdadeira função do jornalismo, que é o vínculo com a sociedade, a cultura e o interesse público. No entanto, a apresentação da visão do jornalista é quase que inevitável, considerando-se que ele, como qualquer outro ser humano, possui uma formação ideológica, crenças e experiências de vida.

Principalmente nos dias de hoje, a participação dos que não são jornalistas na divulgação de informações é bastante acessível. Debates e outras formulações surgem cada vez em maior número na internet. Tornam-se inúmeras as fontes para a obtenção de informações, o que permite a coleção de diversos discursos que, combinados a uma leitura inteligente e crítica, podem motivar grandes feitos e significativas mudanças em muitos aspectos.

A habilitação dos cidadãos a viver de modo consciente e produtivo possibilitaria ao povo a percepção de uma força que ele tem, mas não utiliza por crer nas verdades conduzidas pela elite (Verdades: mentiras muito bem contadas, sustentadas por lideranças persuasivas e alimentadas pelo conforto da alienação). Mantém-se, hoje, a desigualdade social com o desfalque na educação e no acesso à informação tal como se construíram o nazifacismo e a Santa Inquisição, por exemplo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Clara manhã, obrigada.

A criatura inanimada depositada na carteira do colégio construiu a metódica calada durante cada dia dos anos em que vivi. “E agora, José?”
De Gil Vicente a Carlos Drummond de Andrade, seguido de todos os números dos inúmeros volumes Etapa, Anglo ou Objetivo, acumula-se o pó da prateleira onde ainda se permite singela a presença de um pequeno aparelho de televisão. A cama não se ocupa sequer pela metade com o corpo pequeno que ali se deposita ao final de cada dia. Um violão dorme atrás do guarda-roupa perdido em alguma parte de mim que se sentiu artista dia desses. As paredes são cor-de-rosa como a minha alma há muito deixou de ser. A janela permite uma visão abrangente e superior que não passa da ponta do meu nariz com essa miopia.
E quantos sonhos que sonhei nesse travesseiro eu teria escrito naqueles papeis sobre a cabeceira se... Se a cabeça já não os criticasse e censurasse antes mesmo de tê-los formulado como idéias, sentimentos ou ações? Quantas artistas e cientistas eu seria se não me tivessem feito civil? Quantas partes de mim tentariam fugir da dialética se o mundo não esperasse de mim o cartesianismo?
E justo a mim que sempre pareceu frustrante não saber responder à pergunta “quem é você?” hoje surge uma conclusão de estarrecimento maior. Não ter uma definição pronta, ou melhor, não poder responder com o nome de uma profissão ou o anúncio de alguma ideologia é o melhor que eu poderia ter. Não me resumir em uma palavra... Ainda que isso signifique simplesmente eu não saber quem sou.
Nos últimos meses, cada segmento do meu corpo se esforçou por um objetivo que eu estipulei e, acima disso, a minha cabeça tentou não se lembrar de qual era esse objetivo. A frustração, desde já, perturba-me acima do temor de tentar pelo esforço, acima do risco de ir contra o esperado, planejado e calculado. Acordei com a ambição de fazer algo que definitivamente eu não sei fazer. Não porque não sei, mas porque quero saber. Clara manhã, obrigada.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Pobre Macabéa.

Pobre Macabéa,
Estrela tão pequena
Que não brilha,
Que não se nota,
Que não se vê,
Que nem existe.
Ingênua, a coitada
Não questiona,
Vai na vida como é
Porque sempre foi
Como ela viu ser.

Pobre Macabéa,
Em tudo crê,
De tudo sonha,
Tudo permite.
Informação não tem,
Higiene não tem,
Futuro não tem.
Pobrezinha, não sabe,
Mas felicidade não tem.

Pobre Macabéa,
Desculpa-se de tudo.
De não ser macia
Aos pés que a pisam,
De não ser limpa
Às mãos que a bofeteiam.

Pobre Macabéa,
Pobre Mac...
Pobre M...
Pobre de mim.

sábado, 18 de setembro de 2010

Seis versinhos pairando no paradoxo.

De dizer o melhor está em seguir-se desdizendo
O maior indício da certeza está na dúvida
A convicção de uma informação é falta dela.
É necessário nos certificarmos de nunca termos certeza
Para que sejamos, na tentativa e no erro,
A possibilidade de estarmos certos.

O minuto.

Deste minuto preparação para o que vem
E dele investimento no próximo também.
Caras e bocas pelos que não fazem assim
Cobiçando o que cada minuto faz de mim.
Deixem consumir-se no planejamento,
Mas afastem de mim esse tipo de tormento.
Não vou olhar para a eternidade posterior
A infinidade deste minuto mora no meu interior.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Inspiração por falta da própria.

"Os Ombros Suportam O Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
"

Carlos Drummond de Andrade.

Chega um tempo em que os meus olhos cegos ao que é singelo e minha cabeça desocupada em se projetar ocupada não me permitem mais expressar esta falta de expressão que me consome. O fim deste dia cheio de horas vazias, na correria de se correr para lugar nenhum, me deixou a lágrima pesada de um inocente que ainda consegue chorar e que se permite sorrir. De fingir tentar fazer de tudo o tempo todo, veio agora a vontade de fazer algo em que estivessem presentes todas as partes de mim, mas estou sem tempo.

sábado, 11 de setembro de 2010

Amor de criança.

Foi, um dia, simplesmente por amor
Experimentação coletando prazeres,
O pulso iniciado em braços e pernas
Talvez nunca passasse à cabeça.

Por amor meus erros ortográficos
Alagaram os olhos orgulhosos de minha mãe
Soluços pelo dedo na tomada
Mantiveram-me distante dela.

O amor bastou para que eu fizesse,
O dor colocou os limites líquidos
E singela se criou a beleza dos meus atos
Efêmera, mas tal como um riso de criança.

Eu fazia castelinhos de areia
Caíam, é bem verdade.
Foi motivo para me ensinarem desenho?
É, as plantas no papel não desmoronam.

Ah! Essas minhas plantas no papel!
Por que não viram castelos?
Esta vida cria expectadores,
Valoriza os Engenheiros calados.

Ainda que se tratasse de um planejamento...
Porque planos são para ações (não?)
Não, eu continuo apenas projetando
Essa vida vai em vão!

Mas, entre elaborar por toda minha vida
Ou viajar entre papel e letras...
Mantém-me na linha a régua
Do desenho que substituiu o castelo.

Ai que a vida me fez tão pequena!
Afinal, o que acreditamos é.
E perdi minha visão tridimensional
Tem um círculo ao meu redor!

Há coisas que eu não fiz e nem quero.
Eu juro, não quero!
Sério! Eu não quero, juro!
Seria um absurdo querer.

Por que mesmo seria absurdo?
Ah, que importa...
É assim que é, sempre foi
Não há motivo para experimentar.

Deus! (“Deus”...) o quê fizeram comigo?
Levaram-me a criança pequena e indefesa
Indefesa... Ainda que sou achando não ser!
Oxidada, estragada, manchada de vinho.

Nasci poeta
Cresci leitora
Formei-me doente
Estou de cama
Doença auto-imune!

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Ridículos os poetas.

Ridículos os poetas do amor,
desperdício de literatura
Os mesmos clichês,
no mesmo dizer e não dizer
Restringir o sentimento do mundo
à peculiaridade dessa disritmia.
Mas de que fala um poeta
se não escreve amor?
Em que emprega sua literatura?
A poesia passa dos clichês
aos olhos que não sabem ler?
Quê move o mundo se não o amor?
Do amor nasce uma criança,
Pelo amor um homem mata
Amor que fala, tenta, faz
Constrói e destrói limites
Seja dito o que for
Ridículos os poetas que não escrevem
O amor.

Representação.

E fizeram dele idéias, estereótipos
Um espaço nos campos morfológico e figurativo
Hoje serve de falsa motivação
Fecha os olhos como fé ou desejo de vingança
Abala regras e raciocínio
Funde-se e confunde-se com libido
Não cabe dentro nem fora de nossos corpos
Não está nos símbolos que o comércio criou
Não está no que dizemos ou fazemos
Não está na cabeça, muito menos no coração
Mas transforma pensamentos e acelera batimentos
Seu efeito pode tudo em tudo
Desperta a maior das forças
Representa a maior fraqueza
É no que tudo começa e termina
Domina todo tipo de arte
Não se entende por quem é afetado
Ainda menos por quem não é
E toda a arte produzida nisso
Tanto quanto foi escrito, cantado, recitado
Pintado, dramatizado ou simplesmente dito
Faz parte de uma prova de existência
Quase sempre um falar a respeito
Inconsistente e falsificado
Representações.
Representações.
Mas ele aparece nos detalhes
Camuflado e extravagante
Para os poucos que simplesmente sabem
Os que, como eu, não o enxergam
Não o sentem, não o ouvem, não o tocam
Mas o vivem.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Fé, seja lá pelo que for.

Felizes os que conseguem acreditar
Que os santos choram a chuva
Que Deus enxágua o céu
Ou que a água evapora e condensa

Felizes os que conseguem explicar
As lágrimas verdadeiramente derramadas
O dejeto de alguns que é ouro de tantos
O amor que mata e faz nascer

Felizes os que não querem explicar
Eles que sentem corajosamente o amor
Os que têm na fé e não na razão
Força para as pequenas felicidades

Não sei porquê o mundo chora
Ou sei, mas não quero saber
Pois é pelas pessoas que sabem
As que sabem e estão de acordo

Então vou ficar aqui
Amando com todo o meu amor
Vivendo o que a consciência permitir
E escrevendo?

É, escrevendo
Tudo o que o coração sente
Tudo o que a cabeça pensa
De uma forma ou de outra

Tudo.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Universo Particular.

Cada vertente ideológica existente
Toda tradução da percepção dos sentidos
As crenças, culturas e etnias
Os conceitos indefiníveis de certo e errado
Tudo é tanto quanto acredita-se ser
A teoria correta se faz a partir da persuasão
A fé constrói os conceitos
A crença controla o Poder.

Basta que se pense para que exista
Basta que seja escrito para que se eternize
Basta que falem a respeito para que se dissemine
Basta que se faça para que seja feito!
Eis a veracidade do "jogo do contente"
É feliz quem acredita que o é
Faz quem tem motivação para tal
É hábil quem pensa ter habilidade

O Universo Particular
Ele que só de mim depende
Ele que só em mim existe
Ele, cuja falência é minha responsabilidade
Tantas formas pode assumir...
Tanto que ele pode ser e estar...
O conflito parece inevitável
Há tanto com que concordo que discordo em mim

A loucura que nos oferece o ócio
O arriscar-se ao colapso das tantas teorias
Ou eu vou trabalhar hoje?
O conforto ridículo do limite estipulado.
Quero um Universo estável, mas em expansão
Ócio da liberdade literária, dedicação ao conflito
Pés no chão, cabeça onde ela quiser ir
Boca aberta, olhos e ouvidos escancarados.

Um em cada cabeça atrás de certos olhos
Cada um no emaranhado de determinada fé
Cada qual apoiado em sua teoria
Universos Particulares de um único Universo Público.

Por Adriana Kimura.

domingo, 23 de maio de 2010

O porquê de 'Área de Wernicke'.

"Área de Wernicke é uma região do cérebro humano responsável pelo conhecimento, interpretação e associação das informações. Graves danos na área de Wernick podem fazer com que uma pessoa que escuta perfeitamente e reconhece bem as palavras, seja incapaz de agrupar estas palavras para formar um pensamento coerente. A área recebe o nome em homenagem a Karl Wernicke, um neurologista e psiquiatra alemão."
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81rea_de_Wernicke

Conhecimento, interpretações, associações de informações, discussões, desabafos, conflitos, filosofias, debates... E todo o tipo de inutilidade que pareça ser, por qualquer motivo, útil a quem publicar um rascunho, rabisco, texto, textículo, verso, frase, oração, epígrafe, soneto, bilhete...
Temos em nossas cabeças o incrível poder de pensar. Levamos, com isso, para todo o lugar e em cada momento a maior fonte de ocupação do divertimento ao confronto com o paradoxo. Reparem no poder que está nas mãos de quem possui um cérebro e com ele a habilidade de estar em todos os lugares, ver todas as coisas, sentir todos os aromas, ouvir todos os acordes sem precisar de mais do que o saber. A experiência e o acúmulo de informações nos fazem cada vez maiores. Todo questionamento é válido, toda discussão merece existir, toda observação deve ser ressaltada, todo livro deve ser lido para que se agregue todo o conhecimento necessário para ter, estar, sentir, viver, e sonhar tanto quanto for desejado.


"Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas, Quanto mais personalidades eu tiver, Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver, Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas, Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento, Estiver, sentir, viver, for, Mais possuirei a existência total do universo, Mais completo serei pelo espaço inteiro fora."
Alberto Caeiro - Fernando Pessoa

Vale lembrar, aqui derretemos os sólidos conceitos de certo e errado que o resto do mundo tenta fundamentar e manter. Trata-se de fazer com que as discussões e publicações sejam produtivas e baseadas na liberdade.

Por Adriana Kimura.